Uma em cada oito pessoas que buscam o SUS está com problema de saúde mental

De acordo com secretário do Ministério da Saúde, na maior parte das vezes, as primeiras queixas de problemas de saúde mental chegam pela atenção primária. Ao todo, há 52 mil equipes em todo o Brasil

Secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde, Felipe Proenço participou do CB.Debate Saúde Mental e trouxe um panorama do tema dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo Proenço, uma em cada oito pessoas que procuram o SUS está com problema de saúde mental.

O secretário enfatizou que, na atenção primária, é feita uma abordagem voltada à saúde mental e à condição das famílias. “Um dos métodos é questionar às famílias se a pessoa tem a quantidade de alimento necessário para passar a semana e o mês. Fazemos um milhão de atendimentos por dia acompanhando as famílias. Além de pensar nas questões relacionadas à ansiedade e depressão, temos que pensar nas questões do território, como segurança alimentar, renda e moradia”, afirmou.

Ele ressaltou ainda que a saúde mental está totalmente ligada à estrutura social e às condições de vida de cada um. “É importante discutir a moradia, se a pessoa consegue fazer no mínimo três refeições ao dia, se tem emprego, uma série de coisas que acabam repercutindo na saúde em geral”, afirmou. “O Brasil voltou para o mapa da fome, na transição de governo estimamos que mais de 33 milhões de pessoas estavam em condição de insegurança alimentar”, detalhou.

De acordo com o secretário de Atenção Primária à Saúde, as demandas de saúde mental têm chegado, principalmente, via atenção primária. “Temos 52 mil equipes presentes em todos os municípios do país. É uma tendência dentro do SUS a chegada de pessoas com questões mentais por essa via. É importante que a população seja cuidada, tenha sua necessidade ouvida, sentida e acompanhada por uma equipe de saúde da família”, explicou.

Qualificação de profissionais

No segundo painel do CB Debate: Saúde mental, a diretora do Departamento de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde, Sônia Barros, falou sobre a expansão da rede de atenção psicossocial do Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo ela, o ministério está trabalhando na recomposição do custeio de serviços e na qualificação de trabalhadores.

“Os serviços passaram anos sem qualquer tipo de recomposição do custeio, portanto, com trabalhadores e serviços bastante desqualificados”, observou Sônia, que comentou também sobre os três mil Centros de Atenção Psicossocial (CAPS´s) espalhados pelo Brasil. “É um número expressivo, ainda que não seja o desejável ou suficiente, visto que os anos se passaram sem recomposição de custeio. Retomar isso é fundamental”, reiterou.

Além dos CAPS´s, há no Brasil 800 residências terapêuticas, 80 unidades de acolhimento e quase 300 hospitais gerais que ofertam mais de dois mil leitos que atendem saúde mental. “É importante lembrar que temos também a rede de atenção primária para atender as pessoas em sofrimento”, disse Sônia.

A diretora anunciou ainda que o ministério vai promover um curso de qualificação para 40 mil trabalhadores da rede de atenção psicossocial. “Vai iniciar em novembro para toda a rede, incluindo alguns trabalhadores da rede primária. Há muitos anos, os trabalhadores da rede não têm qualquer capacitação ou qualificação”, destacou.

Sônia pontuou ainda que, em 2023, foi feita a recomposição de cerca de 27% do custeio de CAPS e residências terapêuticas. “Neste ano, está saindo uma nova portaria que vai permitir a recomposição de mais 25%”, adiantou.

O Programa de Volta para Casa (PVC), que sustenta usuários egressos de serviços manicomiais, recebeu um reajuste neste ano. “Depois de décadas sem nenhum reajuste, aumentamos de R$ 500 para R$ 755”, compartilhou. “Novas portarias aprovadas na comissão de intergestores tripartites criaram equipes de apoio à desinstitucionalização de pessoas que estão em hospitais de custódia em tratamento psiquiátrico. De acordo com lei do Conselho Nacional de Justiça, devem sair desses lugares manicomiais. O ministério, por meio da nossa diretoria, vai habilitar equipes para que os estados possam acompanhar o processo de desinstitucionalização e o processo de passagem para a rede de atenção à saúde mental”, anunciou.

“O processo da reforma psiquiátrica que foi sendo construído nos últimos 40 anos sustenta hoje a política de saúde mental no país. Esse processo tem nos dado evidências de que estamos no caminho certo. Cuidar da liberdade é o caminho”, finalizou Sônia.

Uma obrigação do Estado

No painel que debateu o Sistema Único de Saúde (SUS) e a rede de atenção psicossocial, a presidenta e conselheira do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP-DF), Thessa Guimarães, defendeu a necessidade de políticas públicas e de soluções coletivas que debatam a saúde mental. Em sua apresentação, ela considerou que adotar essas práticas vai além do autocuidado.

A respeito do que propõe, Thessa citou a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). “Essa é a ferramenta do Estado para a garantia do direito à saúde mental a todos os brasileiros e brasileiras. A gente não pode mais oferecer respostas simplistas, individualistas, capitalistas para o problema da saúde mental e é por isso que a Rede de Atenção Psicossocial precisa ser priorizada desde o ponto de vista do financiamento público, como do ponto de vista da capacitação da formação pra profissionais que trabalhem nessa área”, disse.

A especialista explicou que a RAPs é um conjunto de instrumentos do Estado para garantir o acesso público, gratuito e universal à saúde mental. “A RAPS é composta pelo Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), por UPAs (Unidades de Pronto Atendimento), por leitos de saúde mental em hospital geral.”

Ela ressaltou que “desde o advento da pandemia de covid-19, nós tivemos um aumento exponencial de taxas de suicídio, de violência doméstica e de sofrimento, e do sofrimento mental. É preciso que o Ministério da Saúde observe a necessidade de recomposição da nossa rede de atenção psicossocial e que o nosso governo federal leve à saúde como deve ser”, avaliou.

Questionada acerca da capacidade do DF em acolher, integralmente, pacientes que sofrem de questões relacionadas à saúde mental, Thessa declarou que urge a necessidade de um olhar mais atento por parte do Governo do Distrito Federal (GDF). “Saúde mental é acesso a direitos. A saúde pode ser pensada como a capacidade de resolução de conflitos a partir de um pertencimento a uma comunidade e de acesso a direitos. Rigorosamente, todos os setores do governo precisam ter um compromisso com a saúde mental”, afirmou.

Segundo Thessa, o Distrito Federal tem a menor cobertura proporcional de serviços de atendimento em saúde mental. “Mas aqui, já sentimos a recuperação da Política Nacional de Saúde mental que está sendo reforçada através dos CAPS que estão sendo construídos e virão a ser implementados”, disse.

Problemas neurológicos

Dentro do debate sobre rede de atenção psicossocial, a médica neurologista do Hospital Anchieta Ana Cláudia Pires Carvalho alertou quanto à relevância de considerar a saúde mental no contexto das doenças neurológicas. Segundo ela, é preciso focar no cuidado à saúde mental como forma de prevenir demências e outras condições, que podem se agravar devido ao estado mental das pessoas.

“Quando falamos de saúde mental, estamos considerando o organismo como um todo. O serviço de saúde deve ser centrado no usuário e ser complementar. A saúde mental vai além dos consultórios. Recursos como atividade física e vínculos sociais são cruciais tanto para a prevenção quanto para o tratamento”, destacou Ana Cláudia.

A médica reforçou ainda a importância de observar sinais de que a saúde mental do paciente possa estar prejudicada. “Às vezes, observo sinais de depressão no consultório. É essencial que familiares e pessoas próximas tenham percepção e sensibilidade. O paciente adoecido muitas vezes sabe que algo está errado, mas não consegue identificar o que é. Por isso, é importante encaminhá-lo a um sistema de saúde”, explicou. “Há um desafio em tratar essas condições em pessoas idosas, pois muitas vezes dependem de outros, e a doença requer uma identificação precoce”, relatou.

A médica relatou que, com a pandemia e a crise climática, a saúde mental vem se destacando não apenas no consultório do psiquiatra e no do psicólogo. “A gente tem visto o paciente como um todo, porque se formos esperar que essa pessoa tenha acesso a um especialista, muitas vezes ele será sub diagnosticado e não terá o tratamento adequado”, explicou. “Muitas vezes, um paciente que foi diagnosticado com uma doença neurológica, tem questões de saúde mental e isso é deixado de lado. Aí ele acaba se focando na parte física apenas, se esquece de ver o indivíduo como um todo”, alertou.

“O meu papel como neurologista é ver o paciente além de uma doença, mas como um todo, uma saúde integral e conseguir perceber o ambiente influencia para que essa pessoa tenha a dificuldade de ser tratado”, ressaltou a médica.

Para Ana Cláudia, é importante ter uma visão da saúde mental que vai além do diagnóstico. “É preciso uma rede de apoio dentro do serviço de saúde, mas também atividade física, o estímulo de práticas integrativas como meditação. Temos hoje vários artigos científicos mostrando benefícios de práticas não medicamentosas para a melhor da saúde mental”, concluiu.

Fonte: Correio Braziliense

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Theo Vieira
Pós graduado em História do Brasil pela Universidade Candido Mendes e Graduado em Comunicação Social, com habilitação para Jornalismo, pela Universidade Veiga de Almeida. Atua como jornalista e apresentador dos programas “Super Manhã” de Segunda a Sexta das 5h às 07h e o “Sabadão da Nossa Rádio”, todos os Sábados de 09h ao meio dia, pela Nossa Rádio FM.