Prefeitura e INEPAC negam existência de projeto para supermercado em prédio histórico de Cabo Frio

Estação de Trem da cidade, assim como Casa dos Gago e Salinas Perynas fazem parte dos patrimônios que vão entrar em processo de tombamento e preservação

A Prefeitura de Cabo Frio e o Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) negaram a existência de projeto para construção de um supermercado na área da antiga Estação de Trem, localizada na Estrada dos Passageiros, Jacaré, em Cabo Frio. O assunto ganhou as redes sociais nesta quarta (6), mesmo dia em que o Conselho Municipal de Patrimônio Cultural (CMUPAC) de Cabo Frio anunciou o pedido de tombamento daquele mesmo prédio, e também da Casa dos Gago, da área de Perynas, entre outros.

De acordo com o Inepac, essa história não é nenhuma novidade: ela teria surgido pela primeira vez em março deste ano. Uma fonte do Instituto, que pediu para não ser identificada, revelou que, na época, o assunto foi discutido no Conselho. Chegaram a ser emitidas notificações ao proprietário e à Secretaria de Planejamento, que teria enviado fiscalização ao local mas nenhuma obra foi constatada. Membros do CMUPAC também garantiram à Folha que a história da construção de um supermercado na área da antiga estação de trem não procede.

“A Secretaria de Planejamento nos sinalizou que não há nenhum processo sobre essa suposta construção. No entanto, é importante lembrar que a estação não possui tombamento pelo INEPAC e trata-se de bem inventariado. E, mesmo que houvesse tombamento, conforme discutimos na reunião do Conselho esta semana, os órgãos de tombamento não determinam o uso dos bens acautelados”,revelou uma conselheira.

Presidente do Instituto Municipal do Patrimônio Cultural (IMUPAC), Helvia Vorcaro contou à Folha que o processo de tombamento de prédios considerados “é relativamente longo” porque é preciso ouvir todos os envolvidos, isso inclui a comunidade e os técnicos da área de preservação. Tem, ainda, segundo ela, “a questão da verificação da importância do bem para o município e para a cidade, o valor afetivo, e os atributos artísticos e arquitetônicos”.

– O papel do IMUPAC é provocar o Conselho para o tombamento. Essa lista (com pedido para a estação de trem, Casa dos Gago e Perynas) foi objeto de estudo, e se fazem necessários esses tombamentos para a memória e cultura de Cabo Frio – revelou Hélvia.

O primeiro passo para o tombamento desses espaços já foi dado. Memorandos assinado pelo secretário municipal de Cultura, Márcio Lima Sampaio, já foram enviados, esta semana, à Coordenadoria de Protocolo Geral solicitando abertura de processo para análise e viabilidade técnica referente ao possível tombamento da Estação Ferroviária e das Salinas Perynas através do Instituto Municipal do Patrimônio Cultural (IMUPAC)”.

Uma minuta de Projeto de Lei também já foi elaborada. O objetivo do documento é proteger “fachadas, paredes, telhados, muros, revestimentos e outros elementos arquitetônicos de edificações; pisos, calçadas, bancos, vielas e luminárias; marcos, postes, portões, portais e esquadrias; e espécies arbóreas junto às vias públicas”. Agora o processo segue os trâmites administrativos.

– Elegemos o bem a ser protegido e fazemos um dossiê explicando a necessidade da preservação. Em seguida mandamos uma carta ao proprietário, que tem 15 dias para recorrer. Depois disso o chefe do Executivo procede o tombamento, e o bem é inscrito no livro de tombo da cidade – explicou Hélvia, garantindo que a proteção histórica da estação de trem vai acontecer, independente de haver ou não um projeto para construção de um supermercado naquela área. Isso porque, segundo ela, o prédio tombado pode abrigar comércio “desde que não modifique suas características originais”, isso inclui a proibição para derrubar paredes entre outras alterações. “Mas nossa ideia é que ali fosse o Museu Ferroviário” – afirmou.

Autor do livro “Estrada de Ferro Maricá”, o escritor Célio Pimentel contou à Folha que a estação de trem de Cabo Frio foi parte importante da história da linha férrea regional. Segundo ele, o início da atividade foi em 1937, “quando a cidade prosperava com a grande produção de sal e de cal”.

– Nesse sentido, o trabalho da estação foi fundamental porque já existia nesse momento, dos anos 1930, o transporte ferroviário de Cabo Frio para Niterói, e Niterói já tinha um entreposto que ia para outras regiões. Então a estação de trem de Cabo Frio chegou justamente no período que mais se necessitava. E, por não haver ainda uma rodovia boa, porque naquela época era tudo de chão batido, a ferrovia atendia toda essa produção de Cabo Frio e de São Pedro Aldeia, principalmente das salinas, porque o sal era exportado para não só para outros municípios mas também para outros estados. A estação de Cabo Frio foi fundamental nesse sentido. Lembro que em 1954 meu pai era o chefe da estação de trem de Iguaba Grande. Teve uma ocasião em que ele foi trabalhar cobrindo férias do chefe da estação de Cabo Frio. Ele falou que foi um momento importante porque, por ser uma estação terminal, recebia todas as encomendas das lavouras e, principalmente, do sal, e também do cal que eram exportados para outras cidades – revelou Célio.

O historiador Pierre de Cristo contou que além do escoamento da produção do sal, a Estação de Trem de Cabo Frio foi importante também para a população local.

-Já encontrei pessoas que pegavam o trem para ir ao médico em Niterói. Por isso, como historiador, me sinto completamente triste nesse momento. Passei por lá esses dias e vi que não existem mais as janelas. O prédio está totalmente descaracterizado. O estrago já foi feito, e cabe agora à sociedade, aos fazedores de cultura e até mesmo poder público tentar intervir porque se não tomarmos uma atitude agora, muito em breve não teremos outros elementos culturais na cidade, porque tudo vai se perder. Acho até que estão fazendo um tombamento tardio. Deveriam ter feito desde quando aquela estação foi desativada. Já deviam ter feito um tombamento pelo pelo INEPAC e pelo Iphan porque estamos falando da história da cidade de Cabo Frio – desabafou.

Para Lucas Muller, vice-presidente do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural (CMUPAC), a possibilidade de tombamento da estação de trem, da Casa dos Gago e das Perynas marcam um novo momento para a história e a cultura de Cabo Frio após a demolição do Galpão do Sal, em 2021.

– O processo do Galpão de Sal foi doloroso. Foi uma das piores derrotas que tivemos na cidade. O último resquício do Porto de Sal foi destruído à revelia. Foram anos de audiência pública, reuniões, lutas e a derrota. Aquilo me fez refletir muito. Naquela ocasião não tínhamos advogado, e hoje temos três, o que nos dá segurança jurídica. Também percebi que precisava entrar no CMUPAC. Então, legalizamos a ONG Cabo Frio Solidária, e conseguimos não só entrar, como hoje temos a vice-presidência do conselho, o que nos permite estar na mesa diretora, puxar pautas e levar a conhecimento público. Hoje puxamos a pautas dos tombamentos da Perynas, Casa dos Gagos, árvores centenárias e faremos muitas outras em 2025 porque o conselho tem pessoas incríveis, que respeitam a cidade e pensam no futuro. Isso faz toda a diferença – afirmou Lucas Muller.

Fonte: Folha dos Lagos

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Theo Vieira
Pós graduado em História do Brasil pela Universidade Candido Mendes e Graduado em Comunicação Social, com habilitação para Jornalismo, pela Universidade Veiga de Almeida. Atua como jornalista e apresentador dos programas “Super Manhã” de Segunda a Sexta das 5h às 07h e o “Sabadão da Nossa Rádio”, todos os Sábados de 09h ao meio dia, pela Nossa Rádio FM.