Um grupo de amigos músicos na casa dos 60 anos se reencontra para tocar, como fizeram pela primeira vez quando tinham 20 e poucos. A reunião, marcada pela camaradagem e cumplicidade de quem cresceu junto, exige mais do que o que cabe nos ensaios. “Criamos um grupo de WhatsApp”, conta, entre risos, Paulo Miklos, um dos amigos reunidos no grupo virtual “Titãs“.
O grupo de WhatsApp foi criado como um marco da reunião de Miklos, Arnaldo Antunes, Branco Mello, Charles Gavin, Nando Reis, Sérgio Britto e Tony Bellotto para a turnê “Titãs Encontro”, que terá 21 shows espalhados por 17 cidades brasileiras e por Lisboa, em Portugal.
A formação clássica só não está completa pela ausência de Marcelo Fromer, morto em 2001. A última reunião foi há 30 anos. A estreia é nesta quinta-feira, dia 27, no Rio de Janeiro, para uma Jeunesse Arena lotada. Em 16, 17 e 18 de junho, eles se apresentam no Allianz Parque, em São Paulo, com as duas primeiras datas já esgotadas.
Mais do que um espaço para resolver questões práticas do show, o grupo de WhatsApp é um atestado do clima de amizade e alegria que marca o reencontro. “O ambiente está muito gostoso, com todo mundo empolgado. Volta e meia alguém escreve ali: ‘Como isso está me fazendo bem’”, afirma Miklos.
“Esses ensaios têm sido rejuvenescedores”, diz Arnaldo Antunes. “Antes de sermos uma banda, fomos uma turma de escola, no meio dos anos 1970, quando nos conhecemos. Depois, seguimos nos encontrando, compondo, realizando outros projetos, até a formação da banda em 1982. Tem muita história, com lembranças de todo esse período de amizade e criação conjunta.”
A ideia da turnê “Titãs Encontro” é celebrar a primeira década de banda, na qual todos eles estavam juntos —antes do grupo começar a ser desmembrado, começando por Arnaldo, que saiu da trupe em 1992, alegando estar insatisfeito com os rumos da banda. Ele alegava que a música brasileira estava ficando de lado em favor da crueza do rock. Em 2002, um ano após a morte de Fromer, Nando Reis partiu em carreira solo. Charles Gavin faria o mesmo em 2010, seguido de Miklos, em 2014.
Daí vem a preocupação com a forma como a banda vai soar no palco, após as mudanças que atravessaram as décadas. A ideia é que seja o mais fiel possível à sonoridade que eles criaram juntos na década de 1980. “As características de cada um ajudaram a definir a estética da nossa música. Os coros, a forma como nos completamos. É isso que vamos levar para o show”, afirma Miklos.
“Sérgio Britto foi buscar teclados característicos da época, por exemplo. E, como Liminha está fazendo as guitarras de Marcelo [Fromer], a gente dá uns toques, explicando como ele tocava, como soava”, acrescenta Miklos, que voltou ao saxofone depois de 20 anos. “Falei com eles que seria complicado, que não é como andar de bicicleta, que você não esquece. Mas quer saber? É como andar de bicicleta, sim! Depois dos engasgos iniciais, fluiu perfeitamente. Lembrei de tudo.”
A reunião para a turnê, Arnaldo explica, trouxe à tona o frescor dos primeiros anos. “Esse espírito de grupo, as piadas, os códigos, a intimidade, parece que permaneceu intacto. É como se, além de estarmos celebrando nosso reencontro, estivéssemos também nos reencontrando com um período muito fértil e feliz de juventude.”
A espinha dorsal do show é o repertório dos álbuns dos anos 1980, como “Cabeça Dinossauro”, de 1986, “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”, de 1987, e “Õ Blésq Blom”, de 1989. Além de terem vários dos maiores sucessos da banda, como “Bichos Escrotos”, “Comida” e “Flores”, esses discos equacionam a tal sonoridade característica do grupo.
“Os dez primeiros anos foram incríveis principalmente pelos discos magistrais que gravamos”, afirma Nando Reis. “Em oito anos, lançamos sete discos, todos muito bons. Eles resumem a força de nossa união.”
“Cada canção dos Titãs tem seu argumento, sua temática”, acrescenta Charles Gavin. “Elas são muito diferentes entre si. E como diz a frase da estrofe de ‘Miséria’, riquezas são diferenças.”
O repertório não se limita, porém, às canções da primeira década. “É claro que não vão faltar hits de outros discos mais recentes, como ‘Epitáfio’”, diz Miklos. Lançada em 2001, pouco depois da morte precoce de Fromer, a canção que tem como tema a brevidade da vida passou a ser associada ao guitarrista, que receberá uma homenagem no show, com a participação da filha do músico, a cantora Alice Fromer.
“A palavra saudade tem grande significado quando penso em Marcelo. Que falta ele faz”, diz Reis. Já Miklos nota que Fromer ajudou a construir o som da banda e é autor de muitos sucessos. “Sempre que tocarmos ele estará presente.”
A ideia da turnê começou a ser ventilada para a celebração dos 40 anos da banda, em 2022. O marco é o primeiro show, no Sesc Pompeia, em outubro de 1982. No entanto, com as incertezas provocadas pelo cenário de pandemia, eles não puderam planejar a reunião a tempo de estrear no ano da data redonda.
Até porque o projeto era mais ambicioso do que os outros reencontros que já tinham feito, por reunir todos ao mesmo tempo agora, como eles brincam se referindo ao título do disco “Tudo ao Mesmo Tempo Agora”, de 1991. No “Acústico MTV”, que celebrou os 15 anos dos Titãs, Arnaldo estava, mas como um convidado entre outros.
A banda se diz ansiosa pela oportunidade de tocar para um público mais jovem, que nunca pode vê-los juntos no palco, além de dar a chance aos antigos fãs relembrarem a força dessa formação, com telões e efeitos visuais.
A manutenção do espírito dos primeiros anos, destacada por todos, convive com a bagagem dos anos, ou melhor, das décadas que separam aqueles jovens músicos dos artistas de hoje. “A maturidade facilita bastante”, afirma Miklos. “Ela traz o desejo de conseguir acordos, chegar a soluções, planejar juntos, de uma maneira muito tranquila, diferentemente de quando se é mais novo.”
“Tem sido um misto da alegria de revistar a aventura toda, as memórias, e ao mesmo tempo termos cada um toda uma série de experiências que vivemos em separado e podemos conversar sobre. Temos muita curiosidade pelos outros. Estamos cheios de novidades para trocar”, afirma Miklos. Como meninos que se conhecem num pátio de escola.
Fonte: Folha