A bucólica enseada das Palmeiras, reduto de velejadores, área de pouso e alimentação para aves e recanto preferido dos moradores da cidade, recebeu, no Dia Mundial do Meio Ambiente, um assombroso presente: A secretaria de Obras de Cabo Frio iniciou o “engordamento” da orla, com o objetivo de criar uma praia artificial com 18 metros de extensão no local. A areia utilizada é proveniente da dragagem de diversos pontos do Canal Itajuru e da própria enseada das Palmeiras.
Os moradores não foram consultados e lembram que a Praia das Palmeiras não pode ser considerada como um ambiente degradado ou erodido, que necessite de intervenção. Pelo contrário, a orla se encontra íntegra e é coberta por um gramado natural que faz do local um dos recantos mais encantadores da cidade, atraindo grande público nos finais de semana e feriados.
Vanderson Bento, secretário de Obras, afirmou em reunião com moradores, no dia 13 de junho de 2023, que o objetivo é “desafogar a Praia do Forte, que fica muito cheia no verão. E criar um lugar para casamentos e outros eventos”.
secretário, que iniciou a reunião pedindo aos moradores que “tivessem educação e não se exaltassem”, perdeu a compostura durante a apresentação do Biólogo Bernardo Bastos, chegando até mesmo a ameaçar a secretária de Meio Ambiente de perda do cargo, uma vez que estaria “desobedecendo o prefeito”, ao acatar as considerações dos moradores.
Reclamou da ausência de vozes favoráveis, o que teria tornado a reunião “parcial”. Na plateia estavam presentes, o engenheiro responsável pela obra, diversos funcionários da secretaria de Obras, o INEA e uma representante da empresa encarregada pelo serviço. Todos permaneceram em silêncio. E, foi alertado pela secretária de Meio Ambiente, Rosalice Fernandes que todos os órgãos ambientais de interesse, como CILSJ e Comitês diversos, foram convidados e não compareceram.
Questionado sobre o projeto, declarou que “me mostraram o projeto e eu achei bonito”, demostrando total ignorância sobre a necessidade de estudos ambientais para tamanha intervenção. Encurralado, repetiu inúmeras vezes: “Eu só espalho a areia”, apontando o INEA como o responsável pelas questões técnicas e ambientais.
Ainda durante a reunião, a secretaria de Meio Ambiente entregou ofício, em mãos, ao secretário e ao representante do INEA, recomendando a paralisação imediata das obras até que todas as dúvidas sejam esclarecidas. Na mesma reunião, foi apresentado, também, manifestação do MPF – Ministério Público Federal, solicitando a apresentação das licenças e estudos necessários. O secretário, reagiu dizendo: “Vou pensar”.
Secretaria de Meio Ambiente recua
Apesar do forte posicionamento na reunião do dia 13, a secretaria de Meio Ambiente recuou da decisão tomada, voltando a permitir a intervenção no dia 14.
O vereador Roberto de Jesus, que também participou da reunião na prefeitura, explicou que estava acompanhando o caso como presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, e juntou-se aos moradores na tentativa de interromper a dragagem reiniciada nas Palmeiras.
“Estivemos ontem na reunião junto à Secretaria de Meio Ambiente, que tomou a sensata decisão de solicitar a paralisação imediata até que fossem apresentadas as documentações necessárias. Recomendação também constante em ofício do Ministério Público Federal. Então nós estamos aqui tendo em vista que a empresa não está respeitando as ordens legais”.
“Porque pode acontecer um dano irreversível, enquanto não seja apresentada toda a documentação legal necessária. E, caso não se respeite isso, a gente vai ter que chamar os meios legais, de segurança pública, pra tentar parar essa irresponsabilidade que está acontecendo aqui hoje”, declarou.
Moradores não querem a descaracterização da orla
Nenhum morador foi ouvido, nenhum Estudo de Impacto de Vizinhança foi feito, nenhum diagnóstico de fauna e flora foi apresentado. Assim como, nenhum estudo do regime de marés foi considerado, e tampouco houve preocupação com os fortes ventos do quadrante Nordeste que atingem a orla, exceto na placa instalada no local, com muitas aberturas para a passagem do vento.
O principal defensor da intervenção, Vanderson Bento, lançou a ideia, em 20 de maio último, como sendo um “anseio” da população que estaria sendo alcançado. Referindo-se ao trabalho, em suas redes sociais, como a “nossa” engorda, sendo realizada na “nossa” praia.
O Biólogo Marinho Fábio Collichio, morador há 28 anos no local , estranhou a referência. “Particularmente nunca vi o Sr Vanderson Bento aqui nessa praia”, disse.
Fábio ficou surpreso com a obra. “Posso afirmar, com certeza, que nunca fomos consultados por órgão nenhum, nem mesmo por enquete virtual, se gostaríamos de ter uma “engorda ” na Praia das Palmeiras. E, como Biólogo Marinho e pesquisador da área, além de morador do local, afirmo que, por diversas características, esta praia se difere de outras tantas já engordadas em outros municípios”.
Ele cita o fato de existirem na orla dois remanescentes de mangue. Um perto do quiosque do Russo e outro próximo do quiosque Pargo Miúdo. “O mangue é protegido por Lei Federal 12651/2012, como APP (Área de Preservação Permanente). E, embora tenhamos uma área muito menor, pois o próprio INEA autorizou a construção do shopping em cima dessa vegetação, e em cima de sambaquis, a praia ainda contém mangues e é dever do Estado e Municípios sua proteção”, alerta.
Fábio lembra que o mangue precisa sofrer a ação das marés para que suas raízes possam respirar e o acúmulo de sedimento nessas raízes podem “sufocar” as plantas, levando à morte delas.
Outra característica que diferencia a praia das Palmeiras de outras praias é a existência de gramado natural cobrindo toda a extensão da orla. “Temos gramíneas que são a base de esconderijos para Corujas Buraqueiras, ninhos de Quero-queros, e povoação de insetos que que servem de alimentação para aves da região, mantendo o equilíbrio sistêmico do local. Os sedimentos jogados em cima do gramado vão atropelar esse equilíbrio conquistado e afugentar a avifauna desse ambiente”, afirma.
Além disso, segundo Fábio, todo o trabalho de engorda poderá ser em vão. “A areia que foi tirada na dragagem em um local, voltará a fazer bolsões e baixios em outros locais após eventos como grandes marés, ou eventos extremos que a cada dia se tornam mais frequentes no mundo”, acrescentou.
A balneabilidade
Os moradores também alertam para outro fato que não foi considerado: Pelos boletins do INEA, desde 2019 até 2023, a praia das Palmeiras está imprópria para banho, com índices de balneabilidade negativos. Veja as tabelas de balneabilidade
Desta forma a areia dragada nesse trecho das Palmeiras, claramente está contaminada e servindo de base para outro tipo de areia (vindo da dragagem da Ilha do japonês), como afirma o secretário de Obras, Vanderson Bento. “Portanto, constatamos que a areia branca provinda da Ilha do Japonês, que possui granulometria diferenciada da Praia das Palmeiras, servirá de maquiagem para o aterro, passando a impressão ao público leigo, que se trata de areia limpa”, pondera Fábio Collichio.
Esportes Náuticos, Crianças e Idosos
A área é famosa por receber grande diversidade de esportes náuticos, como a Vela, Canoagem, Kitesurf, Windsurf. Atividades que, com a engorda, terão dificuldade na sua prática.
A grama também trouxe um perfil diferenciado de frequentadores, formado por famílias com filhos pequenos e idosos, que preferem utilizar o gramado para seu lazer, onde podem deixar as crianças brincarem sem se sujar, ao contrário de um local arenoso.
Apesar da grande beleza, o local está longe de ser considerado despoluído e estruturado. “Se querem uma praia nesse local, primeiro precisam tirar a poluição advinda da estação de bombeamento da Prolagos que, por operar em regime de “tempo seco”, despeja esgoto in natura na lagoa quando chove. Não precisamos de praia com areia aqui, precisamos sim, é de infraestrutura, despoluição da água, áreas de laser, decks de atracação para embarcações e apoio aos esportes náuticos, que trazem um público adequado à nossa orla das Palmeiras”, finaliza Fábio Collichio.
Ideia antiga nunca discutida com moradores
Vanderson Bento diz que a ideia é antiga e o INEA já vem trabalhando nisso há muitos anos. “O INEA vem fazendo auditorias. A minha parte é apenas de fazer o espalhamento da areia.”
Ele garantiu que todos os estudos necessários para uma intervenção desse porte foram feitos. “Estudos de impacto ambiental, estudos marinhos. O INEA tem todos esses estudos. Eu vou botar uma placa lá onde vai ser possível acessar os estudos”.
Perguntado a respeito das altas marés, que têm avançado até o calçamento e que poderiam, em tese, deslocar a areia depositada para dentro da enseada, o secretário foi incisivo: “As marés não influenciam ali não! Porque ali não é mar aberto, não é praia, não haverá essa retirada de areia. O estudo aponta que isso não vai acontecer. Como em outras enseadas que já deram certo”, garantiu.
O secretário informou que serão despejados 1.800 m³ de areia na orla. “São centenas e centenas de caminhões. A gente começa com uma areia um pouco mais grossa como essa, um pouco mais escura, pra fazer a base, e depois a gente vem com a areia clara que vai ser retirada da Ilha do japonês”.
Moradores acionam Ministério Público
Com o intuito de barrar a obra, pelo menos até que todos os estudos pertinentes sejam apresentados pela Prefeitura e INEA, os moradores encaminharam denúncias ao MPE – Ministério Público Estadual, e MPF – Ministério Público Federal, solicitando a paralisação da obra e a apuração de possíveis irregularidades no licenciamento.
Nas denúncias, os moradores apontam que a Praia das Palmeiras possui características únicas e não pode ser comparada a outras praias lagunares inclusas no bojo do licenciamento, que se refere a “diversas praias”.
Uma das diferenças apontadas está na influência das marés, que não é significativa em outros pontos da Laguna de Araruama, mas que atingem a enseada das Palmeiras com bastante severidade em determinadas condições meteorológicas.
Além disso, a praia ainda conserva dois pequenos trechos de mangue, vegetação protegida por Lei (Lei Federal nº 12.651/2012), que deverão desaparecer com o aterramento de suas raízes.
Também não se levou em conta o regime dos ventos que atingem a enseada, com predominância dos quadrantes nordeste e leste (63,98% ) cuja intensidade, no segundo semestre, varia entre 30 e 45 km/ hora. Com residências a menos de 50 metros da orla, haverá forte impacto para os moradores e quiosqueiros, com o deslocamento de areia em direção às casas
Além disso, existe no local uma estação de bombeamento de esgoto da Prolagos que, por operar em regime de “tempo seco”, é forçada a abrir as comportas em períodos de chuvas, liberando o excesso de águas pluviais misturada com esgoto para a lagoa.
Esse esgoto, por influência da maré e dos ventos, chega até a praia, causando forte impacto ambiental, hoje atenuado pela presença do gramado. Com o aterramento do gramado, todo o esgoto será depositado na areia, contaminando a nova praia.
Cientistas e técnicos mostram preocupação com a intervenção
O Biólogo Jailton Nogueira é morador da orla das Palmeiras há 11 anos. Ex-secretário de Meio Ambiente de Cabo Frio, Jailton é Mestre em Biologia Marinha e Doutor em Ciências do Ambiente. Na sua gestão como secretário, fez valer a legislação, cercando e colocando placas demarcando a área como ambiental, o que transformou a orla das Palmeiras no ambiente diferenciado e preservado que é hoje.
Ele recebeu com surpresa e indignação a notícia da engorda da praia, e disparou contra o secretário de Obras, Vanderson Bento.
“Como morador, nunca vi este vereador, e agora secretário, neste bairro. Ele podia vir mesmo aqui tapar os buracos, consertar as calçadas e praças. Fazer o que um secretário de Obras deve fazer. E não pegar carona no que fizemos pelas Palmeiras agora as famílias voltaram, e tentar voto aterrando a lagoa”, reclamou.
Ele afirma que deveria ter sido feita uma consulta pública antes, e questiona o licenciamento da obra. “Estão esquentando uma licença de dragagem para aterrar as Palmeiras. Não existe estudo algum para isso que estão fazendo. Não existe medida e compensação, não existe nenhum pedido dos moradores das palmeiras e não existe necessidade. Esse ex-vereador não conhece o bairro. Todos os finais de semana isso aqui está lotado”, diz Jailton.
Professor da UFRJ lembra necessidade de estudos específicos
João Wagner Castro, professor titular da UFRJ na área de Geologia Costeira, Marinha e Ambiental, diz que a areia mais fina, como no caso da Ilha do Japonês, “será, com certeza, carregada pela maré em situações extremas. A praia deve ser engordada, se for o caso, com areia média a grossa para evitar erosão pós engordamento”, explicou.
O professor também ressaltou que qualquer extração mineral demanda pesquisa da jazida feita por profissional especializado, e registro na Agência Nacional de Mineração. “As análises dos sedimentos arenosos e interpretação de dados é competência exclusiva dos profissionais de Geologia. Apenas um geólogo, ou engenheiro geólogo, podem realizar pesquisa de jazidas, sem o quê o licenciamento pode ser considerado ilegal”.
Engenheiro sanitarista reforça necessidade de estudos dos sedimentos
Juarez Lopes, engenheiro sanitarista e ex-secretário de Meio Ambiente de Cabo Frio diz que, “pelo aspecto técnico, uma dragagem é uma atividade de alto impacto ambiental e, sem dúvida nenhuma, tem que ter estudos que comprovem se essa atividade tem impacto positivo ou negativo. É a legislação brasileira”.
Ele explicou que é preciso, primeiramente, definir o local do bota fora do resíduo, ressaltando que, se for descartado em área urbana, “você tem que conhecer esse resíduo”.
Sobre o forte cheiro exalado da areia já depositada nas Palmeiras, Juarez explica: “Eu não posso tirar alguma coisa do fundo, que eu não conheço a composição e descartar em qualquer lugar. No caso das Palmeiras , o mau cheiro acontece porque tem muita matéria orgânica. Essa matéria orgânica entra em degradação e produz gases mal cheirosos”.
Ele afirma que, sem uma análise química dos sedimentos, não é possível saber quais materiais estão incorporados à areia. “Tem algum metal pesado? Tem algum material patogênico? A legislação brasileira exige que, para fazer uma dragagem, se conheça o que se está fazendo”.
“Você tem que fazer pesquisa do material a ser dragado, está na legislação. Foi feita? Não sei. A dragagem foi uma solicitação do munícipe ou do município? Não, foi uma decisão personalista? Achar que vai ficar mais bonito não pode ser a justificativa para uma engorda”, observa.
Ele lembra que o município tem poder de parar a ação do Estado. “O Estado quer fazer, quer jogar resíduos não analisados na Praia das Palmeiras. Mas, a população da Praia das Palmeiras foi ouvida? O Município tem poder pra suspender isso. Uma coisa é você autorizar a dragagem. Tudo bem. Mas o resíduo vai ser disposto no solo do município. O município pode se contrapor”, observa.
Juarez lembrou de uma dragagem feita em 2003, que jogou os sedimentos dentro do Dormitório das Graças, matando a vegetação. “Quem que pagou aquele prejuízo? Ficou por isso mesmo. Nós é que tivemos que recuperar o local. Ou seja, a dragagem é uma atividade de impacto ambiental, tem que ter cuidado”, alerta.
Fonte: Revista Cidade
Este post tem 2 comentários
Sinceramente não tem nessesidade nem uma de mexer na orla da das Palmeiras, mesmo porque ali não é praia e sim uma área de lazer amais que a cidade de Cabo frio oferece a população E o melhor sem Areia ,exatamente pelo o verde que gosto das Palmeiras por não ter Areia e sim grama !! que é um gramado maravilhoso , quem quiser areia vai pra onde tem areia aqui nas Palmeiras e gramado e isso não deve mudar já mais , que isso trocar grama por areia Deus me livre isso nunca , tem que impedir com certeza que isso aconteça a qualquer custo !! Essa é minha opinião. 😁😍❤❤❤❤
Isso é um absurdo, e essa areia da engorda com certeza tem patógenos. A preocupação principal com as praias deveria ser enquadrar a Prolagos pra que ela tratasse o esgoto e não que os jogasse na lagoa.