O Ministério Público Federal (MPF) sediou audiência popular do Fórum Estadual da Educação para discutir a violação do direito à educação causada pela violência na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, especialmente a violência armada. O evento, realizado na última sexta-feira (30), foi conduzido pelo professor Waldeck Carneiro, teve duração de 2h30 e reuniu representantes de diversas instituições públicas, sociedade civil e academia, com o objetivo de buscar soluções para reparar os danos causados aos estudantes.
Durante a audiência, foram apresentados os dados do relatório “Educação sob cerco: as escolas do Grande Rio impactadas pela violência armada”. O documento foi produzido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), pelo Instituto Fogo Cruzado (IFC), pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF) e pelo Centro para o Estudo da Riqueza e da Estratificação Social (Ceres-Iesp).
O estudo evidencia que quase 800 mil estudantes frequentam escolas públicas situadas em áreas sob influência de milícias ou tráfico. Além disso, aponta que 51% dos alunos da região metropolitana e 55% da capital estão inseridos em contextos de violência armada. Por fim, cita que, em 2022, ocorreram mais de 4.400 episódios de tiroteios nas imediações das escolas, sendo que o Complexo da Maré concentrou 276 ocorrências, apenas em 2022.
Para a representante do Instituto Fogo Cruzado, Maria Isabel Couto, “a escola não pode ser lugar de medo. A violência é evitável e temos os dados e as ferramentas para agir. A ausência de evidências estatais não pode justificar a inércia. Precisamos de dados oficiais para construir políticas públicas baseadas na realidade”.
Impactos e desigualdade – A representante da organização Redes da Maré, Andreia Martins, alertou que os estudantes da Maré perderam o equivalente a um ano letivo entre 2016 e 2024, devido à violência armada. Ela criticou medidas ineficazes como envio de atividades e reposição remota, que não consideram o contexto de exclusão digital.
A defensora pública Maria Júlia Miranda apontou a subnotificação dos dias letivos perdidos e relatou que o estado e o município tratam reposição por meios remotos como suficientes, o que desrespeita as realidades vividas nas comunidades. Já a promotora Agnes Mussliner, do Ministério Público Estadual (MP/RJ), destacou que o direito à educação não pode ser relativizado. Precisamos de soluções conjuntas entre sociedade e poder público”, afirmou.
Pacto nacional pelos 200 dias letivos – A conselheira Maria do Pilar Lacerda, presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), destacou que o cumprimento dos 200 dias letivos é inegociável e que o CNE criou uma comissão permanente para monitorar o tema, com a participação da sociedade civil.
“A operação policial não pode acontecer no horário escolar. Isso é o mínimo. Crianças e adolescentes são prioridade absoluta pela Constituição. É hora de tratarmos o óbvio com seriedade institucional”, afirmou Pilar.
A comissão planeja jornadas itinerantes, escutas nos territórios mais afetados, a criação de um painel nacional de monitoramento e a elaboração de um Pacto Nacional pelo Cumprimento dos 200 Dias Letivos, com publicação de recomendações técnicas em 2025.
Próximos passos – A audiência também foi marcada pela sugestão de que o Conselho Nacional de Educação edite uma nota técnica sobre o que é ou não reposição válida em contextos de violência. Waldeck Carneiro, do Fórum Estadual de Educação, sugeriu que o Fórum busque participação no Comitê Interinstitucional de Segurança Escolar e reiterou a importância da mobilização popular. “Esse fenômeno não é apenas educacional. Ele aprofunda as desigualdades sociais e territoriais. É essencial que segurança e educação dialoguem”, afirmou.
Também participaram da audiência representantes da campanha nacional pelo Direito à Educação, da Fiocruz, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Unicef e secretarias de governo convidadas, além de movimentos sociais.
Reparação de danos – O procurador Julio Araujo encerrou o evento destacando que segurança pública não está acima do direito à educação, e que a atuação do MPF será focada na reparação de danos, na promoção de diretrizes nacionais e no engajamento dos entes federativos para tirar esse tema da invisibilidade. “O Estado não pode mais improvisar. Precisamos de planejamento, escuta e responsabilização. O custo da omissão em políticas de segurança pública e educação tem nome, rosto e futuro. E é alto demais”, concluiu.