O Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) no Rio de Janeiro, expediu recomendação ao Conselho Nacional de Educação (CNE). O órgão recomenda a elaboração, no prazo de 120 dias, de uma resolução específica que estabeleça diretrizes nacionais para a reposição de aulas perdidas em razão da violência armada e de operações policiais. A medida também exige ações de reparação para estudantes e profissionais da educação afetados por esse contexto de insegurança.
O documento destaca que soluções remotas, como o envio de atividades por aplicativos de mensagens, são insuficientes para assegurar o direito pleno à educação, especialmente em comunidades marcadas pela exclusão digital. O MPF reforça que a garantia dos 200 dias letivos, prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), é um direito constitucional inegociável.
Histórico da atuação do MPF – A recomendação é fruto de uma ampla atuação institucional iniciada em agosto de 2024, quando o MPF instaurou inquérito civil (IC nº 1.30.001.004903/2024-41) para investigar os impactos das operações policiais no calendário escolar de comunidades fluminenses. Desde então, o MPF articulou debates com o Ministério da Educação, provocou a criação de um grupo de trabalho no CNE e contribuiu para a instalação da Comissão para o Acompanhamento Contínuo da Obrigatoriedade dos 200 Dias Letivos.
A culminância desse processo foi a Audiência Popular de Defesa da Educação, realizada no auditório da Procuradoria da República no Rio de Janeiro, em 30 de maio de 2025. O evento reuniu representantes do CNE, do Fórum Estadual de Educação, da sociedade civil, do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, da Defensoria Pública, da Fiocruz, de universidades federais, do Unicef e de movimentos sociais.
Durante a audiência, foi apresentado o relatório “Educação sob cerco”, elaborado por entidades como o Unicef, Instituto Fogo Cruzado e o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni/UFF). O estudo revelou que cerca de 800 mil estudantes estão em escolas localizadas em áreas sob influência de milícias ou tráfico. Só em 2022, foram registrados mais de 4.400 episódios de tiroteios nas imediações das escolas, sendo 276 ocorrências no Complexo da Maré.
O procurador regional dos Direitos do Cidadão adjunto, Julio Araujo, que assina a recomendação, destaca que a segurança pública e educação são direitos que devem caminhar juntos. Para ele, os impactos da violência armada exigem uma resposta que garanta reposição plena aos estudantes.
Na recomendação, o MPF orienta que o CNE:
– Elabore uma resolução nacional em até 120 dias, com diretrizes específicas sobre reposição de aulas em contextos de violência armada, reconhecendo a ineficácia de soluções remotas;
– Assegure que a carga horária de docentes não seja aumentada sem contrapartida remuneratória extraordinária;
– Estabeleça mecanismos de monitoramento da implementação da resolução, com a criação de um comitê composto por fóruns de educação, sindicatos, representantes de pais e organizações que atuam na defesa da educação em favelas e periferias.
A recomendação foi encaminhada à Presidência do CNE, à Câmara de Educação Básica e ao Ministério da Educação (MEC), que têm 30 dias para se manifestar sobre o acatamento da proposta.