Em 30 municípios do Rio, 83% de áreas são vulneráveis a desastres provocados por temporais; veja onde ficam

Estudo mostra que há 1,7 milhão de domicílios nesses terrenos de média e alta suscetibilidade a deslizamentos, inundações ou enchentes

Quase 15 anos após o temporal que deixou pelo menos 420 mortos em Nova Friburgo, para muitos moradores da cidade da Região Serrana a tragédia não serviu de lição. Com o verão batendo à porta, no Córrego Dantas, bairro onde cerca de 70 pessoas perderam a vida, casas parcialmente atingidas, que deveriam ter sido demolidas, permanecem de pé, sendo vendidas, alugadas, ampliadas e invadidas. Outras construções surgiram em terrenos às margens do riacho e em encostas, onde casas foram levadas pelas águas ou por deslizamentos de terra na catástrofe de fevereiro de 2011.

Friburgo é um dos 30 municípios fluminenses que constam do relatório de avaliação de riscos de desastres provocados por chuvas, elaborado pela Secretaria estadual de Planejamento e Gestão (Seplag-RJ) e pelo Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat). O documento, com cinco volumes, lançado recentemente, revela que 83% do território do conjunto de cidades estudadas são de média ou alta suscetibilidade a pelo menos uma dessas ocorrências: deslizamentos, enxurradas ou inundações. Nessas áreas, há quase 1,7 milhão de domicílios em risco, o equivalente a 60% do total.

Grupos de prevenção

Pelo diagnóstico do estudo, Friburgo encabeça a lista dos municípios com a fatia maior do território em vulnerabilidade a desastres: 96,3%. Em seguida, estão Bom Jardim (94,3), Petrópolis (93,6%) e Teresópolis (91,8%).

Morador de Friburgo, o comerciante Luiz Cláudio Rosa passou três horas pedindo socorro em 2011, no alto de sua casa, no Campo do Coelho. O que viveu e presenciou o estimulou a criar o Instituto Friburgo Solidário, que já instalou dez câmeras e cinco estações de monitoramento — interligadas à Defesa Civil municipal — e criou grupos de prevenção no WhatsApp, com sete mil moradores, podendo trocar e receber informações.

— O maior desafio tem sido fazer as pessoas entenderem que não podem morar ou ter um negócio em beira de rio nem ocupar casas interditadas. A qualquer momento, pode acontecer uma tragédia até pior do que a que vivemos. Mas há quem não acredite — lamenta Luiz Cláudio.

Na cidade, não se encontra placas ou qualquer sinalização indicando locais condenados. O catador de recicláveis Carlos de Souza usa o que restou de uma casa na Rua José Pedro Poletti, colada ao Córrego Dantas, para guardar seu material, que pode ser carregado durante um temporal. Já o herdeiro de uma casa de encosta, na Travessa Oriente, está reformando o imóvel, interditado em 2011.

— Na época, ofereceram um apartamento para o meu pai no Terra Nova. Ele não aceitou. Ainda bem, porque o conjunto (tem 2.800 apartamentos) virou uma favela — diz o motorista Flávio Ribeiro.

— Gosto que vejam primeiro. Comprei a casa há quatro anos, e estou resolvendo a situação na Defesa Civil para colocar luz. Se não caiu na tragédia, está segura pelas mãos de Deus — afirma ele, sem saber que falava com uma repórter.

De acordo com a prefeitura de Friburgo, nas áreas onde não ocorreu intervenção estrutural “há necessidade de demolir imóveis para mitigar o risco”. Acrescenta que locais de riscos geológicos contam com sistema de alerta e alarme. Por sua vez, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) cita ações do Programa Limpa Rio, de retirada de sedimentos do Rio Bengalas e de córregos do município, mas nada fala sobre a remoção das construções às margens de cursos d’água.

Os 30 municípios analisados no estudo foram escolhidos pelo estado: 29 estão na lista do Atlas Digital de Desastres no Brasil de 2024 — relativo a danos humanos, materiais e prejuízos provocados por chuvas — como os mais suscetíveis do estado; e Cabo Frio foi selecionado pelo histórico de inundações e alagamentos, como os registrados em junho deste ano. Em 20 dessas cidades, ocorreram 1.367 das 1.554 mortes do Rio de Janeiro em desastres provocados por temporais entre 2010 e 2023.

Quanto a diagnóstico, o trabalho mostra o desrespeito às Áreas de Preservação Permanente (APPs). Mais de 252 mil domicílios foram contabilizados nessas regiões protegidas nos 30 municípios pesquisados, sendo 239 mil em margens de rios.

Em Petrópolis, são 18.253 casas em margens de rios, 563 em nascentes, 2.854 em topo de morro e 25 em locais com declividade acima de 45º. No município, o eletrotécnico Ricardo Rufino ainda vive o luto da perda de oito pessoas de sua família soterradas no Morro da Oficina, em 2022 — o irmão Lucas, inclusive, só teve os ossos identificados em março último.

— Sai para trabalhar e, quando voltei, encontrei a minha casa e as da minha família no chão. Perdi tudo. Ainda moro de aluguel social numa casa de beira da rua. Mas, quando passo pelo local do acidente, a tristeza bate forte — diz

‘Tudo foi embora’
Ainda na Região Metropolitana, o estudo avaliou Caxias, Japeri, Maricá, Mesquita, Nova Iguaçu, Queimados e São Gonçalo. Sem ver luz no fim do túnel, o auxiliar de serviços gerais Fernando Cunha decidiu sair de Comendador Soares, em Nova Iguaçu, quando, mais uma vez, em janeiro do ano passado, a água do Rio Botas inundou sua casa:

— Cobertas, roupas, documentos… Tudo foi embora. Fizeram uma obra no rio para passar uma ciclovia e, desde 2022, ele transborda nas chuvas. Não quero mais passar por isso. Agora, moro numa comunidade em Realengo.

Por g1

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Theo Vieira
Pós graduado em História do Brasil pela Universidade Candido Mendes e Graduado em Comunicação Social, com habilitação para Jornalismo, pela Universidade Veiga de Almeida. Atua como jornalista e apresentador dos programas “Super Manhã” de Segunda a Sexta das 5h às 07h e o “Sabadão da Nossa Rádio”, todos os Sábados de 09h ao meio dia, pela Nossa Rádio FM.