A Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), realizou nesta terça-feira (16/09) audiência pública para debater o direito à moradia e os efeitos da falta de políticas habitacionais na vida das mulheres. Dados da Fundação João Pinheiro apresentados durante a reunião mostram que 62,6% dos domicílios em déficit habitacional são chefiados por mulheres, em sua maioria negras e mães solo. Diante disso, os deputados anunciaram que vão agendar reunião com a Secretaria de Estado da Mulher para buscar uma solução para esse problema.
A presidente da Comissão, deputada Renata Souza (PSOL), ressaltou que a crise da habitação atinge de forma mais dura aquelas que já vivem em situação de vulnerabilidade. “Existe uma falsa ideia de que morar na favela significa gastar pouco, mas a lógica da especulação imobiliária também chegou às comunidades, tornando o custo de vida altíssimo. Muitas mulheres ainda enfrentam despejos, perderam suas casas em desastres socioambientais ou estão em situação de rua, sem renda para garantir sequer um aluguel. É urgente que o Estado assuma a responsabilidade de enfrentar o déficit habitacional com políticas que assegurem às mulheres e suas famílias o direito à moradia digna, com saneamento, transporte e infraestrutura de qualidade”, afirmou.
Mulheres são maioria em ações de despejo
O colegiado também discutiu ações de despejo que afetam majoritariamente mulheres. De acordo com dados da Campanha Despejo Zero, apresentados durante a reunião, desde 2020 mais de 65 mil mulheres foram despejadas de seus lares.
A representante do Núcleo de Assessoria Jurídica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Taiana Sobrinho, reforçou que os despejos representam uma das faces mais cruéis da crise habitacional, afetando diretamente a vida das mulheres. “Há diferentes formas de despejo que precisam ser enfrentadas. Temos as remoções forçadas em ocupações urbanas, que atingem sobretudo mulheres que estão na linha de frente das lutas por moradia e há também o despejo por violência doméstica, quando uma mulher precisa sair de casa para sobreviver, mas não encontra alternativa de acolhimento. No Estado do Rio existem apenas quatro casas-abrigo, e a lei que prevê aluguel social para vítimas de violência ainda não foi regulamentada. É urgente garantir políticas públicas que assegurem proteção imediata e soluções habitacionais duradouras, porque cada despejo é também uma violação de direitos e uma violência de gênero”, pontuou.
Imóveis ocupados e função social
Renata Souza criticou a venda de imóveis públicos e alertou que muitos desses espaços já cumprem função social. “Estamos falando de imóveis estaduais que já são utilizados em projetos de moradia popular ou cedidos a movimentos sociais e organizações da sociedade civil. Vender esse patrimônio público significa romper com a função social desses espaços, que hoje abrigam famílias e iniciativas fundamentais para a dignidade de centenas de pessoas. Essa lógica de desmonte abre caminho para mais despejos e quem paga a conta é sempre a população mais pobre”, comentou.
Em sua fala, a representante da Casa Almerinda Gama, Monique Zuma, afirmou que a destinação de alguns imóveis públicos tem priorizado usos comerciais em vez de atender a demandas habitacionais, especialmente no centro do Rio.
“O imóvel da Casa Almerinda Gama foi avaliado pelo governo do estado para venda com a justificativa de ter elevado potencial para comércio. Essa negação do direito à cidade e à moradia digna é também uma forma de violência, sobretudo contra as mulheres negras. Por isso, fazemos um apelo: não ao despejo, não às remoções forçadas. É preciso garantir que os imóveis públicos de interesse social sejam destinados à moradia, garantindo vida digna ao povo trabalhador”, disse.
A coordenadora nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Márcia Beatriz, destacou a experiência de quem vive em ocupações e a luta diária pelo direito à moradia. “Muitas vezes dizem que somos delinquentes, mas na verdade, somos mulheres, mães e moradoras de comunidades que vivem em situação de vulnerabilidade. Ocupamos esses espaços porque não temos alternativa para garantir moradia digna e segurança para nossas famílias, reivindicando apenas aquilo que é um direito básico de todo cidadão”, relatou.
Também estiveram presentes na reunião Bruna Gomes, representante da Superintendência de Articulação Institucional e Políticas Transversais da Secretaria de Estado da Mulher; Heloísa Melino, da Casa Resistências Lésbica da Maré; e Indianara Siqueira, da Casa Nem.